domingo, 26 de maio de 2013

Onde morar?

Quero morar do lado de fora do muro
quero um passeio por casa
e para não morrer no frio
um cobertor de noite

Uma morada sem portas, sem janelas
para que eu nunca precise de chaves.

Um canto para guardar a palavra,
seja num papel
seja na memória...

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Brasil de(da) verdade

No Brasil da guerra criança ainda passa fome e morre de doenças primitivas
No Brasil por dentro o que vejo ainda é morte
morte de vida
vida severina se fudendo para vida verdadeira!

No Brasil da Copa o que se esconde é perda
o sossego é enganar-se
o recurso é uma mídia crack
uma ante-sala do inferno

No Brasil sem rosto
sobra imposto
e só desgosto
de ver o mote

No Brasil da peste
a sobrevivência é na luta
e a nossa conduta
é resistência agreste*!



                                                           













* que não se adapta à domesticidade: http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=agreste

terça-feira, 21 de maio de 2013

Das invenções

deus inventou o mundo
o diabo as fronteiras

deus inventou a vida
o diabo a morte

deus inventou o céu
o diabo a tentação terrena

deus traçou a linha do horizonte
o diabo as delícias do escuro
deus inventou a natureza(ou a natureza deus?) e o ser pensante
o diabo(K) o trabalho explorado

Deus criou, criou, criou
o diabo duvidou
e os seres humanos se regozijaram e amaram

                                                                           acho que em novembro de 2012...




                                                     

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Luta Antimanicomial: uma luta que não se conta, se desconta...

Bom, dentre as muitas coisas impossíveis de contar, está a de descrever o que é luta antimanicomial. Apesar de eu ter certeza que as palavras aqui escritas não podem detalhar o que se sente, mas, diante de dois pedidos de quem vem ao meu coração, coloco em letras o que se vê de fato!

A luta antimanicomial se colocou a possibilidade de questionar uma instituição total, algo tido como inquestionável, afinal o capitalismo se acha inquestionável! O manicômio, sendo uma instituição asilar achou que seria páreo para um grupo de alucinados, trabalhadores, familiares, e claro, loucos! E assim foi se desconstruindo e descontando uma história de privação de liberdades e violações de direitos e construindo novas formas de se lidar com aquilo que não se inscreve na razão iluminada. Assim serviços novos foram estruturados, novas formas de entender a palavra, a voz ou o que se enxerga!

Belo Horizonte é uma das muitas cidades que conseguiu construir uma modalidade de serviços que tentassem, à revelia dos medos, uma dignidade delicada e uma cobertura ao que se deixou descoberto. Assim as residências terapêuticas, os CERSAM's, os Centros de Convivência, os CERSAMI's(pois criança que delira tem lugar aqui!)os CERSAM's AD e os serviços todos que coubessem a loucura e seus adereços, o transtorno por ser, ou por uso de substâncias, o percurso contrário ao que se espera dos normatizados!

Mas essa mesma Belo Horizonte, não só na luta antimanicomial, mas em outras várias frentes tem enfrentado uma gestão que não se furta a se imbecilizar ou a tratar de forma indelicada a política, o louco, o usuário de drogas, o jovem e toda a população e em 2012 obrigou o movimento a mudar a rota*, sim, mudamos a rota, mas não mudamos o rumo, diria Eliana Moraes do Fórum de Saúde Mental, e nesse ano, mesmo tomando essa outra rota o movimento conseguiu retornar à nossa principal avenida! Eu pude gritar: A Afonso Pena é nossa! ganhamos mais ruas e chegamos à Praça da Estação, abraçando-a e dela tomando conta! Continuo na onda do texto do ano passado:" Não se cala uma voz e nem o seu movimento e assim acredito que é possível uma sociedade sem manicômios, sem prisões, sem QUALQUER tipo de instituição total! Porque nós podemos muito mais do pode os nossos inimigos de classe ou de sentido, nós queremos um outro mundo e já o estamos construindo!




                                             











* há os que digam que o movimento recuou, mas é preciso acolher a dura realidade da loucura e entender o que é possível no enfrentamento e como é possível colocar milhares de loucos diante de uma cidade repressora e reprimida!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Pela verdadeira responsabilização de Chafik

                    Bom, um tema tão doloroso e tão contraditório como a traição, como o assassinato à traição, como o assassinato à traição em troca de poder, soaria talvez inútil, diante de uma sociedade marcada pelo monopólio dos meios de comunicação. É quase uma loucura tentar falar sobre algo do mais absurdo, diante de discursos como diria meu amigo Luciano:" discurso de surdos!" Mas como nós somos mesmo loucos e não é por acaso que desfilamos faz muitos anos nas ruas de Bh, vamos dar voz, ou melhor, escrita, à esse tão insano e tão perverso debate.
                    Chafik assassinou à traição vários militantes do movimento sem terra que ocupavam sua terra grilada(não esqueçamos disso!) e davam à ela uma função real, para o que ela realmente foi feita! Chafik utilizou dos artifícios do próprio movimento para eliminá-los e isso eu não sei pelo texto do admirável Frei Gilvander no Brasil de Fato ontem, eu sei através de um militante do acampamento Nova Vida, no ano de 2006, quando Bruno Pedersoli, numa brilhante ideia de me fazer calar*, decide junto à comissão organizadora do quarto EIV que eu iria para esse acampamento. Sim, um acampamento dos filhos do Aruega! Ali, diante da bandeira sem cor do movimento ele me disse(infelizmente minha memória me trai e esqueci o nome dele): " Os assassinos obrigaram os militantes-seguranças a soltarem foguetes na entrada da fazenda, esse sinal era nosso! E diante do sinal todos os militantes se juntaram e foi o massacre!" À traição o "dono" da fazenda mata junto à outros os que não aceitaram a concentração de terras no país, e confesso ele consegue duas vezes se livrar da prisão! Engraçado como a história sempre se repete, eu não li mesmo os textos errados, a cadeia, o sistema punitivo foi feito para um setor de classe, de determinada cor, de determinado local de moradia e com determinadas intenções acerca do mundo.
                  Assim e antiprisional como sou, gostaria de não relativizar a responsabilização de Chafik, mas gostaria de alertar para que somente estando na porta do Fórum Lafayete, ou colando cartazes pela cidade pedindo o encarceramento do empresário da terra, não é suficiente para entender e nem para conseguir avançar numa sociedade que o MST preza, com todo respeito ao MST e  respeito à essa ação sempre! Eu aprendi muito com esse movimento, mesmo nunca militando organicamente nele. Sei que há contradições internas, sei que uma prisão como essa garantiria um fortalecimento das ações, garantiria uma possível certeza de justiça. Entretanto, encarcerando Chafik não garantimos que o mesmo continue aliciando assassinos de sem terra, não garantimos que o mesmo lidere da cadeia(será que poderoso como é Chafik ficaria nas masmorras brasileiras? usaria o boi, alguém sabe o que é isso? Ficaria além de privado de liberdade, privado de todos os outros direitos garantidos na nossa Constituição como ficam a maioria dos nossos presos e presas? Sinceramente eu duvido muito e não é por isso que não defendo sua REAL responsabilização) um massacre ainda maior de militantes. Isso ocorre no tal crime "organizado" porque não ocorreria com esse empresário organizado também com aquele setor de pensamento mais atrasado da sociedade brasileira, que não entende que reforma agrária é pauta capitalista(muitos países fizeram), e que ganhariam muito mais! O que creio que os lutadores do Brasil querem é muito mais que reforma agrária, querem um mundo onde os povos decidam pelo seu próprio destino e carreguem nas mãos a sua história, afinal são milhares de anos de dominação de pensamento e não só de corpos.
                   O MST e todos os movimentos organizados ou desorganizados mas de uma forma ou de outra propondo um mundo para além desse que vemos, pode propor uma sociedade onde Chafiks tenham suas propriedades abertas para desapropriação e verdadeiro uso, tenham seus bens retidos pelo Estado e no futuro geridos pelo povo, sejam "obrigados" a trabalhar, a entender como se ganha o pão que mata a fome do corpo. É necessário entender para muito além dos crimes do campo que devem ser feita justiça sempre! Mas é necessário sair pelas cidades, entender a multidão que já nela vive(os milhares de jovens assassinados com a mão do ESTADO!), é necessário lutar por uma cidade verdadeira e não mercadoria, assim como uma terra socializada! Temos muito mais a oferecer, se como diria Miriam Abou yd:" conseguimos questionar uma instituição como o manicômio e construir alternativas..."  além de também construir alternativas às cadeias, vide APACS, porque não podemos questionar a realidade do encarceramento e manter assassinos como esse sob nossa custódia? Num processo revolucionário pessoas como Chafik seriam mortas provavelmente e legitimamente, enquanto não chegamos lá ofereçamos aos nossos prisioneiros(prendamos Chafik se possível, mas não esqueçamos que tipo de sistema prisional temos para negros e pobres, condenados da terra como nos diz Fanon! Prendamos ele e soltemos todos os que estão presos injustamente pelo sistema então!) algo que o capitalismo não ofereceu! Somos melhores do que eles!

Pelo fim da concentração da terra, pelo fim da especulação imobiliária, pela responsabilização de todos os ruralistas assassinos brasileiros, pela democratização dos meios de comunicação! Pelo fim de prisões, manicômios e todo tipo de instituição total!




                                   






















* calar porque falo demais e ele teve a manha de me mandar para um acampamento com vários problemas internos e externos com a direção do MST!


terça-feira, 14 de maio de 2013

Escola de todo dia

A escola de todo dia
me dava
nos nervos
me fazia medo
me matava a criatividade
ou me dava alguma,
sempre pouca, oportunidade.

Todo dia na escola
era rotina
era tia
era dona
não tinha porque
se cumpria
regra
só tinha dever
do saber à tona!

A escola no dia a dia
era desassossego
uma nota alta
mas com pouco ego
ou alguma nota baixa
e um chute
no que no futuro
seria:
"eu quero"

A Escola para ser mais dia
devia ser muro abaixo
comida e laço
carinho, abraço
um poder falar
um brincar mais vezes
um ser criança
adolescer
e rejuvenescer
um fazer de conta
e, de verdade
aberta ao sonho
à realidade
seria muito mais
do que pode ser!





                                 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O traço do meu mapa

O mapa oficial da minha cidade
cabe apenas num papel,
mas o meu cabe no peito,
é feito de outro jeito
e o faço sem pincel!

O mapa do poder na minha cidade
é multicolorido
e o vermelho ganhou
desatrevido
tons de branco e azul,

porém o que guardo na memória
é um desenho da minha história
sem mentira e sem cartel

O mapa que eu faço
é de esperança,
tem que caber
velho, mulher e criança
e
se der,
um pedaço do céu!




                                                               



sábado, 11 de maio de 2013

Pelo direito de não ser mãe!


                                                  

                           É de admirar que em pleno dia das mães saia uma reflexão como essa e um título tão forte, ou tão cortante! Afinal, à primeira vista, ser mãe parece tão natural como comer, dormir, trabalhar. Bom, acho que não é! Talvez a excessiva obrigação capitalista de se realizar na maternidade obrigue as mulheres a se envergonharem de colocar publicamente o não desejo de ser mãe*. Já ouvi pessoas me dizerem:” Como não? Que absurdo! Toda mulher quer ser mãe! Isso é egoísmo seu!” Nessa hora lembro do meu irmão que fala pouco e fala o essencial, quando questionado sobre o jeito dele e sobre que desse jeito ele não amava, ele responde:” é por amor que eu faço tudo o que faço!” E aqui eu não me refiro à paternidade, ou se ele quer ou não ser, isso é da alçada dele, mas me refiro à reflexão sobre o amor e sobre o tudo que ele faz que se parece muito com o meu tudo.
                        Assim, a reflexão passa por esse amor aclamado nas propagandas, aclamado aos quatro cantos, como se amar fosse comprar coisas e não fazer uma ligação no meio do dia, no meio da rua e dizer:” Oi mãe! Como você está?” E ouvir dela coisas engraçadas, lamentações, dores e poder construir caminhos ali pelo telefone...
                     O amor foi aprisionado pelo medo, ouvi essa frase de Gerivaldo Neiva num seminário em BH, refleti muito sobre. Ou o medo é a moda nessa triste temporada de Zeca Baleiro. Esse medo todo de não poder ser algo diferente do que todo mundo é.
                    E voltando ao ser ou não ser mãe é necessário passar pelo fato de, o sendo sem querer, por acidente, tentar deixar de sê-lo**. Sim, deixar de ser mãe quando se torna sem querer. E aqui a forte presença desse amor capitalista é impressionante! Chego a me lembrar de um pastor famoso num canal aberto de TV dizendo sobre isso e achando-se no direito de definir o que as mulheres devem ou não fazer com argumentos de amor...mais impressionante foi a entrevistadora titubear diante das fajutas argumentações.
                Não é esse amor que me move, não é esse amor que faz com que milhões de mulheres morram em clínicas clandestinas, esse amor que obriga milhões de mulheres a se violentarem, ou a serem violentadas. O amor que mostra caminhos a essa realidade não é aquele que acha que se devam matar os filhos do submundo***, não! É o amor que quer construir um espaço onde elas possam dizer sobre o que querem e se quiserem ter o direito de dizer não, e claro, quando se pode dizer do que se quer, pode-se mudar de ideia não é? Pode-se construir caminhos e talvez tornar-se com a ajuda de outros e com os direitos garantidos uma mãe, por quê não? Mas é preciso garantir esses direitos historicamente violados!
              É por amor ao mundo que muita gente não quer ser mãe e nem pai! Há caminhos diferentes para cada um, e existem pessoas que não cabem mesmo nesse mundo! Existem pessoas que lutam para que não existam pessoas como elas no mundo. Como os zapatistas que dizem: “somos soldados que querem que os soldados não mais existam”. É preciso enxergar possibilidades, é preciso ultrapassar o corriqueiro, calar o excesso e descobrir o essencial.
                 Pelo direito de ser alguma coisa e não ser o que o outro definiu ser...








                  * aprendi com Tatiane Vinhal que conquistamos esse direito!

**Não me intitulo feminista, tenho respeito e acho extremamente necessário o movimento, mas minha fala não está inscrita nele, pois não tenho argumentos suficientes para fazer alusão à esta realidade.

                  ***o que a freira superiora do convento em que estive na juventude dizia contra o não ser mãe ou deixar de sê-lo


                                           








quarta-feira, 8 de maio de 2013

Encarceremos o Estado





Já que para encarcerar
Encarceremos o Estado!
O Estado instituição
O estado de coisas
O falso Estado de Direito!
Encarceramento em massa
Das mentiras!
Do medo!
Da ordem!

Se trancar resolve
Prendamos a força!
Fechemos em celas sujas
Os imóveis
Os inertes
Os comensais!

Se resolver punir
Que punamos os fortes
Que cerremos suas bocas!
Os que querem nos calar
E os que não nos querem ouvir!


                                                                   






domingo, 5 de maio de 2013

O mundo do pão, do trabalho e da guitarra elétrica*





      

                 Qualquer início de reflexão é bom que venha carregada de alguns porquês, embora o propósito deste não seja nada mais que uma socialização de alguns pensamentos. Entretanto, para dar mais vida ao que se escreve, ou algum sentido possível, iremos traçando alguns detalhes importantes no caminho. Comecemos pelo título que me vem à cabeça durante a apresentação de Paul Maccartney na cidade de Belo Horizonte. Cidade em que nasci, praticamente me criei, da qual saí e retornei. E por quê um título à primeira vista tão estranho ou com palavras que provavelmente não se conectam? Bom porque diante da arte não há como não falar de sustento e também de trabalho.
             Definiremos pão ao que nos aproxima daquilo que nos alimenta e nos dá vida para seguir vivendo, definiremos trabalho àquilo que nos faz nos relacionar socialmente** e à guitarra elétrica deixaremos a referência à arte e isso somente porque o cantor citado a todo tempo levantava uma das guitarras que tocou durante o show como se a ela fizesse certa saudação e reverência.  Arte não se resume a um instrumento, mas aqui só como simbologia.
          Pois bem, o show de um dos Beatles vivo me colocou dentro de um espaço de reflexão que me acorda todos os dias ou me mantém acordada que é a possibilidade de se manter vivo diante da falta de certo pão, ou diante da falta ou da vivência de um trabalho que não nos faz ser mais gente, mas nos transforma em seres mecanizados e não nos permite criar, transcender, ultrapassar o limite do real cotidiano. O que seria a arte dentro de um real tão violento, tão absurdo, ou tão carente de ser mesmo? Seria uma possibilidade de manter acesa uma esperança? Eu me agarrei nessa possibilidade e nela passei a tentar perceber o que era possível ali, como se caminhar dentro de tão complexa realidade. Reavivei a memória do meu próprio trabalho e soube que parte dele está muito ligado a esse tentar fazer arte...lembrei do meu pai e como o mesmo nos inseriu no mundo da música, da arte talvez, mesmo em sua pouca formação regular e escolar talvez, mas com seu gosto pela arte, pela cultura. Minha mãe com sua curiosidade...
       Assim fui traçando, enquanto o espetáculo ocorria, uma espécie de linha de tempo na cabeça sobre como era possível milhares de pessoas presentes num lugar, muitas transformações no cotidiano para que uma pessoa, vinda do outro lado de um oceano pudesse se apresentar para os dizem:” Uai”, quase que como um favor, não isso exatamente, mas pensando em como se apresenta os grandes espetáculos e até o cinema no Brasil, poderíamos ir nesse sentido, e ver que, muitas vezes Belo Horizonte fica fora desse circuito. Claro, Belo Horizonte e todo resto do Brasil que não está num certo eixo cultural definido aleatoriamente ao nosso desejo.
  Porém a reflexão vinha mesmo no sentido da arte, e, no que essa, com toda a sua transcendência pode fazer mesmo diante da dor, da miséria, do medo, da violência. Lembrei-me do espetáculo de Paul na Rússia e da camisa dele, não me lembro agora a frase em inglês mas algo que se referia à uma luta contra as minas terrestres que matam e mutilam milhões de pessoas todos os dias no mundo. Alusão aqui à perspectiva de sendo da arte poder fazer-se ouvir mais que outros. Lembrei-me desses Beatles que talvez definam um recorte no mundo, permitam perceber quais os ideias capitalistas foram implantados e em nome de que ou de quem temos um mundo cheio de fome, trabalho explorado e também de guitarras elétricas! Pensei também num debate em que fiz uma vez acerca de determinado texto que dizia serem o trabalho e a arte as duas únicas formas de o ser humano se realizar, algo assim, de manifestar o que se é realmente. E por fim, e sem chegar ao fim de um pensamento tão sério, tive diante de mim, em determinada canção que não me lembro agora o nome, em que as pessoas acendiam seus celulares e seus isqueiros, algo que não compreendi de todo, mas percebi que de alguma forma, aqueles milhares de trabalhadores famintos de ser mais,  transcendiam e pretendiam algo além do cotidiano muitas vezes fadado ao corriqueiro ou ao desesperador. Tive certo para mim que os seres humanos estão sempre em uma louca busca de algo que seja mais do o que eles possam mesmo ver, ou tocar, e que é preciso sentir.
        Ficou claro que ao tentar falar nosso idioma o cantor realizava um trabalho imenso de saída de si mesmo e que se for para viver somente no mais do mesmo viver não vale a pena. Por isso fazemos arte!




                                                    













*para meu pai Joaquim e sua arte da oralidade!
** apesar de o trabalho ter se tornado aquilo que nos coloca fora de nós, capitalisticamente falando!

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Estação




Um homem nu levanta uma bandeira
Pobre minas!
Por quê esconder com parte do manto
A genitália?
Boquiaberto, ele olha o edifício da Praça...
Quando o colocaram ali?
Talvez essa Estação não fosse tão “segura”
Ou assegurada....


Quem são os que abaixo do homem
O parecem sustentar?
E, que significa o latim escrito
Em sua base?

Ó minas gerais!
Conhece-te
E conheça-nos, nós que lutamos para em ti sobreviver
Nós não aprendemos
Nem acessamos o segredo
Oculto e (in)seguro dessa Estação que é Praça!
                                                                                                                             05-11-12

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Operário em construção


Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
                                                     Vinícius de Moraes