Eu queria fazer um conto sobre os meninos que trabalham cedo aqui no bairro
sete da manhã, faz frio, e já estão com botas, mangueira ligada, preparados
lavam carro durante todo o dia
Eu queria ser capaz de contar, como contista mesmo, a profundidade disso
a relevância dessa cena
a barbaridade de não estar em escola ou espaço cultural
talvez não estar vivendo a melhor parte da vida
A vida é jato
passa num átimo
não te deixa pensar muito
a vida se satisfaz em não te deixar saber
Eu quero ser contista para essa cena fazer fissura na vida de quem passa
para que cada pessoa que passe ali
saiba que,
diante daquela cena, ou sob ela
dá-se nesse país
aqui abaixo da Linha do Equador
a matança de jovens como esses meninos da minha rua
Eu queria saber fazer conto-manifesto
poesia-denúncia
para que, pelo menos lendo
alguém entendesse que se fez lava a(à?) jato política
que meninos lavam carro com jato de água
mas que a vida que lhes é tirada
seja no tiro
seja no trabalho forçado
essa vida não é contada
essa vida não conta.