terça-feira, 2 de agosto de 2022

Culinária poética



Tem gente que faz arte com sons
Outras com o corpo
Por acobracias uns.
Por junção de rimas outros.
Tem quem consiga artificar sabores
Se de plantas comestíveis, aromas.
Se de temperos, picantes. 
Eu arrisco-me com palavras
Cozinho-as na semântica
Frito-as metaforicamente.
Pra come-las em poesia, prosa ou literatura corrida.




sábado, 2 de julho de 2022

Amizade Animalesca

 Um amigo meu, amigo desses que, você briga de verdade, assume as suas merdas, ouve as merdas dele, amigo de fé mesmo. Bem, esse meu amigo saiu de Belo Horizonte. Saiu para um trabalho numa cidade de São Paulo; não vou citar a cidade, nem mesmo o nome do amigo, embora ele, em seu coração generoso, me tenha permitido cronicizar sua história. Então, eu nem sei se o gênero crônica admite essa verbalização aí, mas se permitiram a Guimarães Rosa inventar palavras, que inventemos também nós! Mas vamos ao meu amigo, ele foi para esta cidade, e pela primeira vez, por volta de seus quase 30 anos, morando sozinho, deparou -se com todos os afazeres domésticos, coisas que ele já sabia fazer desde cedo( que maravilha de mãe pra ensinar isso pra um menino!), e também com todas as intempéries que uma habitação solitária traz.

Bom, eu desperto numa madrugada, como é de praxe em minha vida de quase sempre insone, e me deparo com uma mensagem no whatsapp, e uma foto de um gambá, mas não era um simples gambá. Um desses das histórias de familias do interior, ou dessas fotos de livros de geografia, ciências da escola. Era um gambá digno de um filme de terror! Soltei -lhe por mensagem um belo e ressonante:" Puta que pariu!" E ele me responde que o bendito animalzinho encarou-lhe olho no olho. Eu, em meio ao meu pânico, e também minha curiosidade, disse -lhe:" Eu entregaria as chaves da casa! Sinceramente, esse gambá é proprietário do imóvel!" Ele sorriu com meu medo, e eu, divagando entre o medo, mas também a muito interesse de porquê surgiu, no meio de uma cidade grande, um gambá com personalidade. Permiti-me deixar o pensamento saltar em viagens inimagináveis.

Afinal, os animais são mesmo os donos em primeira instância do mundo, nós lhes roubamos essa propriedade, e eles, genuinamente, nos causam esses sustos às vezes.




domingo, 13 de março de 2022

As bobagens de Rafael

                  Dia desses no bairro, à noite, caminhando para resolver algumas coisas para um dos meus irmãos, vi uma lanchonete, um trailler desses que fazem sanduíches e pensei:" Na volta vou comer um sanduíche ali!". Não muito apegada a essas comidas de rua(sem crise, nem preconceito. Pai e mãe não eram de nos levar pra comer essas coisas, lá em casa sempre era rango mesmo: arroz, feijão...e os festejos igrejeiros, na maioria eram com: vaca atolada, caldos. Ou seja, comida de casa...rs), às vezes me pega a vontade. Fiz a tarefa, voltei caminhando, e parei no tal trailler. Pedi um tal "X egg burguer" e fiquei sentada, observando o movimento ali, os entregadores e clientes, e às vezes o celular. 

                  Depois de alguns minutos observo duas famílias chegando. Uma com um menino por volta de 9 anos, adultos, avó. Outra, já na mesa ao meu lado, com: pai, mãe e duas crianças. Uma menina de uns 4 anos e Rafael!( vou chamá-lo assim para claro, poupar seu nome verdadeiro, mas não perder a essência da rima!). Rafael creio que tem por volta de dois anos e meio. Conhece bem a maioria das palavras, mas, naquele momento insistia em dizer:" Bobo!". Parecia extremamente irritado, às vezes chorava um pouco, era agressivo. A mãe chamava sua atenção, ora se levantava da sua cadeira, abaixava-se na altura do filho e dizia: "Vou te levar pra casa e deixar o papai e sua irmã aqui!". Eu observava, sorria para ele, e seguiam as angústias e a palavra: "Bobo!" balbuciada por ele sempre. Em um momento, olhei pra ele, sorri e disse:" Eu acho Rafael, Rafael o seu nome, né? Ele acenava que sim com a cabeça e os pais observavam. "Então, eu acho que você não sabe bem o que é bobo, mas está testando o sentido da palavra, né?". Quase pensando:" Em quê essa palavra ofende tanto?"

                   Os pais me olhavam com certa curiosidade, a mãe parecia envergonhada, o pai, parecia um professor/pesquisador , desses que também observava como se visse uma hipótese.  Passou um pouco, Rafael acalmou, meu sanduíche chegou, o deles ainda não, e comecei a comer. Rafael me olhou, e eu:" E de quê será o seu sanduíche?" Ele me olha, não diz nada, mas já está calmo. O pai olha esperando a resposta, a mãe também, e a irmã curiosa também pela cena. Eu sigo:" No seu sanduíche vai ter ovo?" Ele: "Não!" Eu: "E queijo?" Ele:" Não!", mas já sorrindo como se estivesse numa brincadeira. Eu:" E carne?" Ele: "Não!" Eu: "Ah você é vegetariano!!!!" Ele: "Não!"( eu observo tantos "nãos" e penso no quanto dizemos isso às crianças!) A irmã:" Uai, então não vai ter nada, só pão!" Todos dão gargalhadas e Rafael segue observando a conversa. A irmã diz que o dela terá batata, como se também quisesse ser observada. Eu:" Muito bom batata, né?" Ela: Sim, eu gosto de batata porque é crocante!". Eu: Ah sim! Dá uma tristeza quando a batata não tá crocante, né?". Pai e mãe riem.

                 Eu termino meu sanduíche e saio da mesa, limpo as coisas, pago e dou tchau pra eles. Rafael diz: "Tchau!" Como se tivesse ganhado uma amiga. Eu retribuo...

                 Volto pra casa com minhas tristezas por perda dura nos últimos dias, com a mesma vontade  de esbravejar, espernear, me revoltar que Rafael! E sabendo que, sendo adulta, praticamente perdi esse direito. Entretanto, feliz por ter ofertado graça*, afeto e calmaria para aquela família. Sabendo que falta muito para nossa sociedade aprender a acolher crianças(mesas, cadeiras, menos "nãos"...), e que é preciso paciência e sabedoria para entender que são sujeitos de sua história. Rafael sorriu e se despediu. Eu, de cá com minhas pesquisas da infância, com a curiosidade sobre isso, me acalmei...




* A Pororoca esteve lá sem máscara e sem figurino...<3 rs