segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Aos inimigos, a nossa alegria




Aos que estão do outro lado da trincheira
Nem um minuto da nossa melancolia
Só fogos de artifícios e alegria

A quem emana descaso
Quem ganha por patifaria
Só a nossa afronta
Nossa vontade
Nossa sabedoria

A quem nos mata
Nos prende
Nos explora, por trabalho
Por corpo
Por abusar do nosso ser, filosofia
Entreguemos nosso ódio em forma de força
De SINFONIA!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A arte não serve pra nada



Arte serve pra repetir
Quase neuroticamente
É pra cansar
Pra doer
Repetir, repetir
Repetir
Até virar verdade

A arte não serve pra dar alegria
Nem pra desejar mudança
É pra dar um soco
Quebrar a cara
Vomitar
Cuspir

Arte é sujeira jogada em cima da hipocrisia dos falantes
Seres que falam
Pensam que pensam

Arte é pra adoecer
Encher de dúvida
Ser dos pobres
Embora seja ricamente apropriada

Arte não é pra perdoar pecados
Não tem receita
Simplesmente sai
De dentro das vísceras
Causa nojo
Espasmo
Arritmia!

E desfaz a prepotência 
De quem se acha 
Artista

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Esse poema é pra toda mulher presa




Esse poema não sabe nada de teoria poética
Nem de métrica
Nem de simetria
Esse poema sangra todo mês por natureza(?)
A mulher que sangra sem poder absorver 
a mulher que não tem nada de higiênico para absorver o sangue da vida
a mulher presa em todo cárcere
a mulher transexual presa
e aquela presa nos familiares
Ele chora todo mês ou semana de visita

Esse poema é pra mãe negra que chora o filho morto
Ou a esposa que sangra na alma o marido preso
Esse poema não conhece a vida doce das madames
Nem se interessa com seus vinhos, seus vexames
Ele sabe em que lugar, de classe, está colocado

Esse poema não é decassílabo
E nem tem rima rica
De rico aqui só nosso ódio
Só o que sobra do vestígio
Daquilo que te faz besta fera
Que te coloca de nádegas abertas
Nas filas de visita
No sol, na chuva ou na brisa

Esse poema faz planos
Faz comida nova no domingo
Coloca na marmita
Assa bolo e faz de tudo que é possível!
Para lá, dentro da cadeia
Na portaria,
Retirarem pedaço por pedaço,
Procurando chip.
Procurando um clips.
Tentando criminalizar aquela família

Esse poema é também, quem sabe, pra mulher presa em abusos
De homens e de mulheres!

Esse poema é pela não prisão de ideias!!!!

Esse poema não acredita em nada que venha de uma grade
Só é possível em liberdade
Esse poema não tem rima, nem tem medo.





sábado, 17 de novembro de 2018

Com outro gosto de café e de vida*



                             O silêncio da casa de Margarida aciona no espectador a agonia do inusitado, ao mesmo tempo em que, prevê o impacto contraditório pela cenas alegres e barulhentas do princípio do filme.
                             Café com canela, além de um passeio pela magia do cinema é a captura do espectador para entrada em seu interior, sem espaço para fuga de pensamento. Como nas próprias palavras de Margarida: "um bom filme quer te experimentar e ser experimentado!"
                             Também, e não menos, a maestria da jovem Violeta que; sendo mãe, cuidadora da avó, salgadeira, esposa, consegue de forma doce, mas de forma incisiva uma porta de saída do luto de sua antiga professora.
                             Café e canela, café com canela é a retomada do sabor da vida, é a força do(a) negro(a), é a sabedoria da religiosidade de matriz africana e, junto com tudo isso, o poder feminino no lidar com: o luto, a perda, a depressão, a morte, com a tentativa de recolocar o laço da vida em seu lugar.
                            E tempos de desgostos, canela e café é reviver o gosto, o quente, o brilho.




**

































* sobre o Filme "Café com Canela, de Ary Rosa e Glenda Nicácio, Brasil, 2017. Ficção 100m, exibido na Mostra de Cinema e Direitos Humanos em Belo Horizonte

** fotografia de divulgação retirada do Google

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Nós sim, eles não


Nós temos medo
Eles também
Nós admitimos
Eles não

Nós seguimos adiante com verdade
Eles não

Nós temos história
eles não

Nós sobrevivemos à outras ditaduras
Eles NEM sabem do que se trata e,
idiotamente
defendem uma

Nós não vamos parar NUNCA
Eles, nem nunca vieram








sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Lava jato

Eu queria fazer um conto sobre os meninos que trabalham cedo aqui no bairro
sete da manhã, faz frio, e já estão com botas, mangueira ligada, preparados
lavam carro durante todo o dia

Eu queria ser capaz de contar, como contista mesmo, a profundidade disso
a relevância dessa cena
a barbaridade de não estar em escola ou espaço cultural
talvez não estar vivendo a melhor parte da vida

A vida é jato
passa num átimo
não te deixa pensar muito
a vida se satisfaz em não te deixar saber

Eu quero ser contista para essa cena fazer fissura na vida de quem passa
para que cada pessoa que passe ali
saiba que,
diante daquela cena, ou sob ela
dá-se nesse país
aqui abaixo da Linha do Equador
a matança de jovens como esses meninos da minha rua

Eu queria saber fazer conto-manifesto
poesia-denúncia

para que, pelo menos lendo
alguém entendesse que se fez lava a(à?) jato política
que meninos lavam carro com jato de água

mas que a vida que lhes é tirada
seja no tiro
seja no trabalho forçado
essa vida não é contada
essa vida não conta.




















sábado, 28 de julho de 2018

Para criança gostar de comer

Tem comida pra cada sensação
Pra ganhar cada saber
É preciso aprender a gostar de comer

Pra dar afago no coração só bolo de cenoura com cobertura de chocolate
Pra saber matemática, só o maldito agrião

Para as enzimas funcionarem bem
Batata cozida, frita não
E para sorrir, como uma criança num voador balão, um belo prato de macarrão!

Pra conseguir descobrir os mistérios das galáxias, só o chato do jiló! Por isso, porque comi tão pouco, só aprendi os movimentos de rotação e translação.

Agora, pra saber o segredo das palavras, escrever histórias legais, com ponto e travessão, é preciso comer couve, angu e feijão.

E um segredo: tem que comer desde pequeno (a). Não adianta depois de grande não.
É desde muito cedo que o corpo precisa desses alimentos pra entender o que seremos ou não.

Alho, cebola e salsinha pra saber fazer fração.
Beterraba, cenoura e abobrinha pra boa gramática, sintaxe e a tal compreensão.

Acho que só brócolis, berinjela, mostarda amarga, ou alguma comida desconhecida ensina a saber lidar com partituras, clave de sol e compôr uma canção.

E pra fechar uma Marta Rocha, balas, pirulitos pra saber lidar com sons, sinestesia, rima, verso e emoção.



terça-feira, 17 de julho de 2018

Casa

Lixo é quinta e terça à noite
tem que comprar café
O que mais?
Alho. Você comprou feijão?
Você pode fazer faxina comigo na quinta?
Eu gosto de alface
Eu, já prefiro couve
Venceram essas comidas
Compra carne moída, vou fazer quibe, tem trigo para quibe
E esse grão de bico? Não cozinha esse trem!
Xiiiiiii tem que ser na panela de pressão, sô!
Tem arroz para o almoço?
Casa, limpeza comida
Cotidiano.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Em breve será tarde

Quando os olhos se abrirem
Os ouvidos ouvirem
As bocas falarem

Seria só alarde?

Acontece a canalhice
Mas, revestida de zelo
Não se revoltam
É em nome da segurança, que se esfaqueia a liberdade.

A linha de corte 
O limiar do suporte
Inventa-se falsa sobriedade

É penosa a vida de quem do trabalho precisa
Sangra
E morre, ou de sobrevida, vive
A insana luz buscada não chega
Em breve será tarde.












terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Não adianta, trabalho!




Se sua mão tem cheiro de água sanitária
Graxa de sapato
Detergente
Tinta de caneta, giz de quadro escolar
Ou caleja com caneta para quadro evoluído
Óleo diesel, ou outro fluido
Ou o que seja para assepsia, o seu nome é trabalho!

Se acordas num horário 
dia a dia
Se te esperas um local pra assinar
Um relógio, o de ponto
O seu ser é trabalho

Se te debruças sobre uma mesa
Empilhada de livros
Papéis, artigos para escrever, projetos para se a ver
Promissórias
E por esses papéis tens que prestar contas,
Tu também, o que codificas, trabalho

Se para comer você precisa
Superar 22 dias, mesmo em casa, no ônibus lotado
Ou teu próprio carro
Mas se alguém te espera, ou espera que cumpra essa via crucis
Você é trabalho

Se vestes terno, ou saia social
Se o que te espera é o reitor, mesmo sendo professor universitário!
Ou te mandas o juiz que prega moral,
Você só pode ser trabalho


Se está repleta de partituras tua cama
Se passas o dia a talhar letras e sons
Se a fonética te preocupa
Se é sublingual
Microtonal
Se tua canção precisa de aval
Teu nome nunca prescinde do que seja trabalho!

Se as tintas com que sujas tua mão
Se precisas delas e da tela para acessar o pão
Se esperas a resposta da produção
Tua vida é trabalho!

Ativa-se é na linha de produção?
Se saem dali carros, tecnologia
Mas tem fiscal, encarregado, patrão
Ou se você não pode ser mais do que é
Será trabalho

Embora o que domina os meios e as engrenagens
Tenha redes de comunicação
Tenha judiciário, tenha lei, tenha tudo ao dispor
De só te fazer trabalho
Ainda que ele te coloque apenas no lugar da submissão
No lugar da entrega do produto
No lugar da reprodução,
mesmo sendo trabalho,
só junto romperá a barreira
e para a contradição

encontrarão atalho.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Perguntas

O que você faz quando ninguém está te olhando?
Quantas vezes por semana você lava o seu banheiro?
pra você qual é o cúmulo do absurdo?
quais as drogas você já usou?
quais você ainda gostaria de usar?
o que tem debaixo do seu travesseiro?
a vida vale a pena?
você já desejou morrer?
se sim, já chegou às vias de fato? Tipo, já tentou?
Qual a cor da calcinha que você tá usando?
Porque existem quatro tipos de porquês na língua portuguesa?
Pra quê serve o h, se nem é pronunciado?
você sempre abre os olhos quando acorda?
você já teve vontade de pegar uma muda de roupa e sumir no mundo?
Qual a intensidade de um jato de esperma?
Pra quê arrumar a cama se você vai deitar nela de novo?
Qual o motivo da gente ficar tonto diante de um lugar muito alto ou diante do mar?
Quantos litros de água passam em cada segundo do nas cataratas do Iguaçu?
se você pudesse gritar dentro do hospital você gritaria?
por que letra de médico é garrancho?
e por que médico é doutor sem fazer doutorado?
porque a gente nasce sem dente?
como acontece de a gema não misturar no ovo?
se o cavalo pudesse falar, o que ele diria para quem o monta?