terça-feira, 6 de maio de 2014

Estrangeiros e de cabeça para baixo*

Ela passava pela rua e ouvia comentários:" onde ele está?" "para onde foi?", "não sei, estão batendo nele lá embaixo, eu acho!"
Continuou andando e viu uma pequena multidão, todos olhavam para o meio do círculo, mas ela não via. Via apenas olhares, alguns murmúrios, e quando conseguiu ver, o jovem estava deitado, de cabeça virada para o chão, mãos presas por um homem, dizia-se ser policial, não trazia credencial, não estava uniformizado...nada disso ela via.
Só via, ouvia que era preciso bater no rapaz, era preciso amarrá-lo no poste, colocar fogo no mesmo. Impressionante mas nada daquilo era natural, mesmo sendo repetido, repetido, insistente na cidade onde ela nasceu, no país em que ela vive! Chegou a lembrar dos casos de fogo, de morte, de matar o outro na rua.
Ouvia que ele tinha roubado um celular, via o celular na mão de sua proprietária(a mesma repetia ao celular a mesma cena e dizia:"vou ficar aqui é lógico! vou esperar a polícia chegar!) ela o teve de volta, mas insistia. Insistia em quê?
Para ela que via já estava tudo consumado, a pena já tinha sido dada, o vexame a que o jovem foi submetido, a vergonha, a exposição! Talvez ali se coubesse a palavra que tal uma justiça restaurativa? Mas não!
Não! Eles, elas queriam mais! Bater, matar, linchar(com ch?)!
Era terrível presenciar o fato, mas permanecia ali, parada, tentava falar, mas pouco saiu de sua boca, só um:"por quê ele está deitado assim no chão?" As respostas eram evasivas ou indiferentes, e os olhares direcionados à ela era como se a mesma não fosse desse mundo. Um ser estrangeiro que não entendia nada de justiça!
Sim, ela era mesmo estrangeira e continuaria a ser, porque sem entender iria continuar, afinal a propriedade foi violentada, era um celular(!) era uma mulher! " por quê você não rouba de homem?" disse um dos ditos policiais ao jovem. Diga-se também policias que prenderam o jovem sem nenhuma credencial e com aval dos policiais que chegam logo após na cena urbana, no caos justiceiro!

Era e continuaria a ser estrangeira num mundo onde a justiça funciona para seres de uma determinada cor, de um determinado local e de determinadas posturas. Era sim estrangeira, mas a ironia do se estrangeirar não a repudiava, repudiava e repudia o querer ser formatado onde se coloca o ter em detrimento do ser...era mesmo estrangeira! E permaneceria...









*Esse(essa?) vai em como "presente" aos transeuntes que abordaram um jovem hoje na esquina de Afonso Pena com Guajajaras..



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