Ela quase não podia acreditar,
mas era verdade. Ali estavam elas, muitas elas, muitas mulheres, e esse gostar
de mulheres que não lhe cabia e lhe fazia às vezes explodir também lhe causava
repulsas às vezes. O sensor do coração associado ao da cabeça lhe fazia sentir
a garganta como se amarrada ou engolindo uma bola de futebol. As pernas não
respeitavam seus comandos e os olhos pareciam tão esbugalhados como uma criança
assistindo à aterrissagem de uma nave espacial em seu planeta.
Vinda de uma cidade interiorana
ela não poderia imaginar-se tão amante, tão amada e, entretanto tão excluída de
relações tão importantes para os seres humanos, embora os estudos
universitários a fizessem refletir que, se era mesmo necessário cumprir os
rituais da tradição, família e propriedade privada ... Sonhava uma vida livre e
sentindo os prazeres não aceitos, e muitas vezes, repelidos pela ordem social.
Apesar disso tudo saber não se privava de vivê-los. Chegou a desejar a morte de
um homem homofóbico num dia saindo de uma festa e estando feliz com suas
companheiras, foram todas vítimas de uma cena de preconceito imperdoável! Mas
isso tudo não lhe retirava a vontade de seguir em frente, afora todas essas
situações grotescas no convívio social, era somente essa dor da perda, ou
talvez de um contato cortado que, algumas vezes a colocava em dissonância com
as alegrias vividas nos amores, amizades e aprendizados no convívio social.
Então, aquela cena, num lugar
completamente adverso a colocava diante de seu passado, diante de suas
escolhas, diante daquilo pelo qual desejava viver. Encontrar aquelas duas
mulheres, tão suas, tão afastadas, mas tão sendo suas de coração, de genética,
de realidade a colocava em meio à um turbilhão de cenas que nunca mais
esqueceria e para a qual não poderia mais negar e além disso era preciso
divulgar!
Era a cena da libertação, era a
cena de certa aceitação, era a vivência real, mas muito representativa de um
imaginário que não podia acreditar. Amava muito aquelas mulheres talvez não
tanto quanto e, certamente, de modo bem diferente do qual amava as outras todas
mulheres com que experimentou a vida; todavia essa experiência do primeiro
amor, dos amores carnais sem sexo, do prazeres do leite materno, do gozo da
vivência no útero, das falcatruas sociais de pessoas gêmeas lhe passavam todas em
apenas um segundo na cabeça, pois não era fácil retomar em público e perdoar socialmente
e fraternalmente o preconceito!
Mas elas estavam ali, eram duas
mulheres, uma idêntica a si, embora se constituindo inteiramente diferente
permitindo à ambas serem duas e não somente uma, embora a placenta tenha sido
dividida, embora as vontades compartilhadas. Estavam ali as duas mulheres da
sua vida, pedindo seu olhar, chorando junto com ela. Revivendo esse amor ora
abandonado, ora perdido, mas muito ali recuperado, tornando a vida mais
possível e o amor sem a propriedade, sem as agressões sociais, possibilitado.
* para minha amiga Carina e seus amores
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