domingo, 13 de março de 2022

As bobagens de Rafael

                  Dia desses no bairro, à noite, caminhando para resolver algumas coisas para um dos meus irmãos, vi uma lanchonete, um trailler desses que fazem sanduíches e pensei:" Na volta vou comer um sanduíche ali!". Não muito apegada a essas comidas de rua(sem crise, nem preconceito. Pai e mãe não eram de nos levar pra comer essas coisas, lá em casa sempre era rango mesmo: arroz, feijão...e os festejos igrejeiros, na maioria eram com: vaca atolada, caldos. Ou seja, comida de casa...rs), às vezes me pega a vontade. Fiz a tarefa, voltei caminhando, e parei no tal trailler. Pedi um tal "X egg burguer" e fiquei sentada, observando o movimento ali, os entregadores e clientes, e às vezes o celular. 

                  Depois de alguns minutos observo duas famílias chegando. Uma com um menino por volta de 9 anos, adultos, avó. Outra, já na mesa ao meu lado, com: pai, mãe e duas crianças. Uma menina de uns 4 anos e Rafael!( vou chamá-lo assim para claro, poupar seu nome verdadeiro, mas não perder a essência da rima!). Rafael creio que tem por volta de dois anos e meio. Conhece bem a maioria das palavras, mas, naquele momento insistia em dizer:" Bobo!". Parecia extremamente irritado, às vezes chorava um pouco, era agressivo. A mãe chamava sua atenção, ora se levantava da sua cadeira, abaixava-se na altura do filho e dizia: "Vou te levar pra casa e deixar o papai e sua irmã aqui!". Eu observava, sorria para ele, e seguiam as angústias e a palavra: "Bobo!" balbuciada por ele sempre. Em um momento, olhei pra ele, sorri e disse:" Eu acho Rafael, Rafael o seu nome, né? Ele acenava que sim com a cabeça e os pais observavam. "Então, eu acho que você não sabe bem o que é bobo, mas está testando o sentido da palavra, né?". Quase pensando:" Em quê essa palavra ofende tanto?"

                   Os pais me olhavam com certa curiosidade, a mãe parecia envergonhada, o pai, parecia um professor/pesquisador , desses que também observava como se visse uma hipótese.  Passou um pouco, Rafael acalmou, meu sanduíche chegou, o deles ainda não, e comecei a comer. Rafael me olhou, e eu:" E de quê será o seu sanduíche?" Ele me olha, não diz nada, mas já está calmo. O pai olha esperando a resposta, a mãe também, e a irmã curiosa também pela cena. Eu sigo:" No seu sanduíche vai ter ovo?" Ele: "Não!" Eu: "E queijo?" Ele:" Não!", mas já sorrindo como se estivesse numa brincadeira. Eu:" E carne?" Ele: "Não!" Eu: "Ah você é vegetariano!!!!" Ele: "Não!"( eu observo tantos "nãos" e penso no quanto dizemos isso às crianças!) A irmã:" Uai, então não vai ter nada, só pão!" Todos dão gargalhadas e Rafael segue observando a conversa. A irmã diz que o dela terá batata, como se também quisesse ser observada. Eu:" Muito bom batata, né?" Ela: Sim, eu gosto de batata porque é crocante!". Eu: Ah sim! Dá uma tristeza quando a batata não tá crocante, né?". Pai e mãe riem.

                 Eu termino meu sanduíche e saio da mesa, limpo as coisas, pago e dou tchau pra eles. Rafael diz: "Tchau!" Como se tivesse ganhado uma amiga. Eu retribuo...

                 Volto pra casa com minhas tristezas por perda dura nos últimos dias, com a mesma vontade  de esbravejar, espernear, me revoltar que Rafael! E sabendo que, sendo adulta, praticamente perdi esse direito. Entretanto, feliz por ter ofertado graça*, afeto e calmaria para aquela família. Sabendo que falta muito para nossa sociedade aprender a acolher crianças(mesas, cadeiras, menos "nãos"...), e que é preciso paciência e sabedoria para entender que são sujeitos de sua história. Rafael sorriu e se despediu. Eu, de cá com minhas pesquisas da infância, com a curiosidade sobre isso, me acalmei...




* A Pororoca esteve lá sem máscara e sem figurino...<3 rs







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