O ENEM, O Brasil e a juventude.
O tema “ Invisibilidade e
registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil"
O Exame Nacional do
Ensino Médio é uma avaliação, avaliação nacional! Só de ser nacional, pensando
no Brasil sendo um país com essa dimensão(diversidade!!!) territorial,
habitacional, populacional, cultural e econômica já é um começo de despautério
ele existir nos moldes em que existe.
E domingo,
deparando-me[1]
com o tema da prova de redação do ENEM 2021, quase tive um ataque cardíaco!
Sim! Parece apenas drama, mas em vistas do que estamos vivenciado no Brasil
desde 2016 com Temer e suas companhias, e mais precisamente em 2018, e começo
de 2019 na gestão de Bolsonaro e sua corja, é praticamente impossível não ter arritmias
cardíacas ou possíveis crises de ansiedade diante de tanta barbaridade! Mais de
600 mil pessoas mortas, milhares de órfãos, milhares de famílias sem as
aposentadorias dos avós que sustentavam uma parte considerável dos brasileiros,
desemprego extremo, violência sem parar, e fome! O Brasil, que mesmo com todas
as questões posteriores, havia avançado consideravelmente no índice de pessoas
que fazem três refeições por dia, retornou, desde a política nefasta implantada
por Temer e consolidada por Bolsonaro, a índices absurdos de famintos!
E por que essa digressão toda
até chegar ao ENEM? Por que não dá para falar de ENEM sem falar de Brasil, sem
falar de desigualdades, sem falar de quem manda, quem define a política
nacional. E, por mais que boa parte da esquerda esteva festejando o fato de o
tema da prova da redação ser sobre inclusão[2],
sobre garantia de cidadania, de registro civil, eu gostaria de fazer perguntas:
Será mesmo que colocar uma temática dessas, num momento desses, sem que a maioria
da juventude que faz o ENEM a tenha lido, estudado e debatido, é uma
possibilidade de colocar o debate? Se o ENEM é um espaço para demonstração do
saber e de seleção para entrada e acesso à Universidade Pública, não estaria
então o INEP realmente selecionando os já eleitos socialmente[3]
para travar uma discussão tão arenosa? E sério mesmo que vocês acreditam que
uma prova pode mudar a correlação de forças políticas atuais?
Outra questão que vale uma
reflexão sem medo é o fato de o título da proposta de redação causar
ambiguidades e dificuldades na interpretação sobre o que se está pedindo
realmente para o estudante. Ora parece que se trata de imigrante, ora parece
que se trata de nome social, ora a ideia se aproxima do fato de uma parte
considerável da população brasileira não ter acesso à documentação civil. Bom,
se por um lado nós podemos ficar felizes que, após as declarações de Bolsonaro,
os(as/es) trabalhadores(as/es) do INEP conseguiram que fosse para a prova um
tema que debatesse inclusão, por outro estamos diante de um país com uma
população ainda imensa de analfabetos reais, de analfabetos funcionais[4],
e, até mesmo de pessoas que dominando a linguagem, e a reflexão podem fazer um texto
dissertativo (outro debate importantíssimo! Muitos de nós não sabemos a
diferença dos gêneros discursivos!! Eu só sei porque tive Luiza de Marilac como
professora no Ensino Médio Público), mas não fazem ideia, por exemplo, o que é
imigração ou transexualidade[5]
para fazer um texto que tenha o mínimo de argumentos possíveis para chegar à
uma nota que faça este estudante ser aprovado. Além disso, na seara colocada
ultimamente, o uso do pronome neutro[6]
tem sido um debate e uma dispensação intensa de transfobia até mesmo entre os
intelectuais!!! O uso de termos como “todes”, “elu”, e vários outros que eu ainda
não conheço e que tenho adentrado na aprendizagem, e que são tratados de forma
preconceituosa, podem colocar o estudante numa encruzilhada ao tentar escrever.
Precisamos urgentemente retomar o debate da língua como uma construção social,
e aqui estamos falando de posicionamento político! Até mesmo a língua é passível
deste debate, e neste debate eu sou Bakhtiniana, marxista! A língua é arma de luta, mas no ENEM, se posicionar pode ser motivo de reprovação. Por isso, defendo uma língua/linguagem
que seja lida e tratada como uma construção social que, inclusive(!!!), faça
luta de classes, faça Revolução, destrua esse marco civilizatório atual, e construa
um em que todos(as/es) tenham educação e acesso à língua de verdade!
Por fim, para escrever um texto, um
jovem precisa ter autonomia e segurança. Além de ter espaço para refletir o que
precisa escrever. E, na maioria das vezes, não somos preparados para escrever
de forma segura como a proposta de redação do ENEM pede. A língua não pode ser
vista de como um terreno de eleitos, mas ela ainda o é! A escrita continua
sendo uma arte da classe dominante na maioria das vezes. Lutar para que o ENEM
realmente seja de todos(TODES) é lutar por Educação de verdade nesse país, e
isso não está acontecendo em muitos setores que se dizem progressistas e de
luta.
PS: ( até mesmo quem defende o
ENEM, se contradiz!): "Esses indivíduos vivem à margem de direitos
sociais, sendo, então, relevante, a discussão sobre a temática. O tema foi
difícil, subiram de nível, principalmente pela expressão “registro civil”.
Temos que ver os recortes dos temas integradores para uma análise mais
aprofundada", diz.[7]
Temas da redação dos últimos 5
anos:
Enem 2020: “O estigma associado
às doenças mentais na sociedade brasileira”
Enem 2019: "Democratização
do acesso ao cinema no Brasil"
Enem 2018: "Manipulação do
comportamento de usuário pelo controle de dados na internet"
Enem 2017: "Desafios para a
formação educacional de surdos no Brasil”
Enem Reaplicação 2016:
"Caminhos para combater o racismo no Brasil"
Enem 2016: "Caminhos para
combater a intolerância religiosa no Brasil”
[1]
Eu sou graduada em Letras, estudei na UFMG. Sou mestre em Educação, estudei na
UFOP. Não sou trabalhadora da Educação no momento, mas já estive como educadora
no sistema socioeducativo, já fui professora de Português, Redação e Espanhol
em cursinhos populares, dou aulas particulares de Português, Redação e
Orientação em Escrita.
[2]
Sobre inclusão e a contradição dessa palavra, ouçam o podcast: Mano A Mano com
a presença de Taís Araújo e Lázaro Ramos.
[3]
Os já eleitos socialmente são os estudantes com acesso à cursinhos
pré-vestibulares, aulas de inglês, tempo livre para estudar!
[4]
Pessoas que conseguem ler um texto, mas não conseguem compreender o que ele
diz, e não estou falando de dislexia, mas de uma funcionalidade que é
necessária para ter acesso à leitura de um texto. Talvez lembrar de Bakhtin!!!!
[5]
E aqui eu vou me colocar no lugar de alguém que não conhece teoricamente com profundidade
este tema, e, em 17 anos trabalhando como professora, educadora, arte
educadora, educadora social, esta é a primeira vez que tenho jovens trans em
minhas turmas. BIZARRO!!!
[6]
A questão está colocada, e eu não sou transexual, e eu mesmo sendo formada em
Letras, não questiono o uso dos termos, porque é preciso construir algo que
represente essas pessoas, e elas o estão fazendo!
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