quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O ENEM, O Brasil e a juventude

 

 

                                                    O ENEM, O Brasil e a juventude.

O tema “ Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil"

                           O Exame Nacional do Ensino Médio é uma avaliação, avaliação nacional! Só de ser nacional, pensando no Brasil sendo um país com essa dimensão(diversidade!!!) territorial, habitacional, populacional, cultural e econômica já é um começo de despautério ele existir nos moldes em que existe.

                          E domingo, deparando-me[1] com o tema da prova de redação do ENEM 2021, quase tive um ataque cardíaco! Sim! Parece apenas drama, mas em vistas do que estamos vivenciado no Brasil desde 2016 com Temer e suas companhias, e mais precisamente em 2018, e começo de 2019 na gestão de Bolsonaro e sua corja, é praticamente impossível não ter arritmias cardíacas ou possíveis crises de ansiedade diante de tanta barbaridade! Mais de 600 mil pessoas mortas, milhares de órfãos, milhares de famílias sem as aposentadorias dos avós que sustentavam uma parte considerável dos brasileiros, desemprego extremo, violência sem parar, e fome! O Brasil, que mesmo com todas as questões posteriores, havia avançado consideravelmente no índice de pessoas que fazem três refeições por dia, retornou, desde a política nefasta implantada por Temer e consolidada por Bolsonaro, a índices absurdos de famintos!

                E por que essa digressão toda até chegar ao ENEM? Por que não dá para falar de ENEM sem falar de Brasil, sem falar de desigualdades, sem falar de quem manda, quem define a política nacional. E, por mais que boa parte da esquerda esteva festejando o fato de o tema da prova da redação ser sobre inclusão[2], sobre garantia de cidadania, de registro civil, eu gostaria de fazer perguntas: Será mesmo que colocar uma temática dessas, num momento desses, sem que a maioria da juventude que faz o ENEM a tenha lido, estudado e debatido, é uma possibilidade de colocar o debate? Se o ENEM é um espaço para demonstração do saber e de seleção para entrada e acesso à Universidade Pública, não estaria então o INEP realmente selecionando os já eleitos socialmente[3] para travar uma discussão tão arenosa? E sério mesmo que vocês acreditam que uma prova pode mudar a correlação de forças políticas atuais?

                 Outra questão que vale uma reflexão sem medo é o fato de o título da proposta de redação causar ambiguidades e dificuldades na interpretação sobre o que se está pedindo realmente para o estudante. Ora parece que se trata de imigrante, ora parece que se trata de nome social, ora a ideia se aproxima do fato de uma parte considerável da população brasileira não ter acesso à documentação civil. Bom, se por um lado nós podemos ficar felizes que, após as declarações de Bolsonaro, os(as/es) trabalhadores(as/es) do INEP conseguiram que fosse para a prova um tema que debatesse inclusão, por outro estamos diante de um país com uma população ainda imensa de analfabetos reais, de analfabetos funcionais[4], e, até mesmo de pessoas que dominando a linguagem, e a reflexão podem fazer um texto dissertativo (outro debate importantíssimo! Muitos de nós não sabemos a diferença dos gêneros discursivos!! Eu só sei porque tive Luiza de Marilac como professora no Ensino Médio Público), mas não fazem ideia, por exemplo, o que é imigração ou transexualidade[5] para fazer um texto que tenha o mínimo de argumentos possíveis para chegar à uma nota que faça este estudante ser aprovado. Além disso, na seara colocada ultimamente, o uso do pronome neutro[6] tem sido um debate e uma dispensação intensa de transfobia até mesmo entre os intelectuais!!! O uso de termos como “todes”, “elu”, e vários outros que eu ainda não conheço e que tenho adentrado na aprendizagem, e que são tratados de forma preconceituosa, podem colocar o estudante numa encruzilhada ao tentar escrever. Precisamos urgentemente retomar o debate da língua como uma construção social, e aqui estamos falando de posicionamento político! Até mesmo a língua é passível deste debate, e neste debate eu sou Bakhtiniana, marxista! A língua é arma de luta, mas no ENEM, se posicionar pode ser motivo de reprovação. Por isso, defendo uma língua/linguagem que seja lida e tratada como uma construção social que, inclusive(!!!), faça luta de classes, faça Revolução, destrua esse marco civilizatório atual, e construa um em que todos(as/es) tenham educação e acesso à língua de verdade!

             Por fim, para escrever um texto, um jovem precisa ter autonomia e segurança. Além de ter espaço para refletir o que precisa escrever. E, na maioria das vezes, não somos preparados para escrever de forma segura como a proposta de redação do ENEM pede. A língua não pode ser vista de como um terreno de eleitos, mas ela ainda o é! A escrita continua sendo uma arte da classe dominante na maioria das vezes. Lutar para que o ENEM realmente seja de todos(TODES) é lutar por Educação de verdade nesse país, e isso não está acontecendo em muitos setores que se dizem progressistas e de luta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PS: ( até mesmo quem defende o ENEM, se contradiz!): "Esses indivíduos vivem à margem de direitos sociais, sendo, então, relevante, a discussão sobre a temática. O tema foi difícil, subiram de nível, principalmente pela expressão “registro civil”. Temos que ver os recortes dos temas integradores para uma análise mais aprofundada", diz.[7]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Temas da redação dos últimos 5 anos:

Enem 2020: “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”

Enem 2019: "Democratização do acesso ao cinema no Brasil"

Enem 2018: "Manipulação do comportamento de usuário pelo controle de dados na internet"

Enem 2017: "Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”

Enem Reaplicação 2016: "Caminhos para combater o racismo no Brasil"

Enem 2016: "Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Eu sou graduada em Letras, estudei na UFMG. Sou mestre em Educação, estudei na UFOP. Não sou trabalhadora da Educação no momento, mas já estive como educadora no sistema socioeducativo, já fui professora de Português, Redação e Espanhol em cursinhos populares, dou aulas particulares de Português, Redação e Orientação em Escrita.

[2] Sobre inclusão e a contradição dessa palavra, ouçam o podcast: Mano A Mano com a presença de Taís Araújo e Lázaro Ramos.

[3] Os já eleitos socialmente são os estudantes com acesso à cursinhos pré-vestibulares, aulas de inglês, tempo livre para estudar!

[4] Pessoas que conseguem ler um texto, mas não conseguem compreender o que ele diz, e não estou falando de dislexia, mas de uma funcionalidade que é necessária para ter acesso à leitura de um texto. Talvez lembrar de Bakhtin!!!!

[5] E aqui eu vou me colocar no lugar de alguém que não conhece teoricamente com profundidade este tema, e, em 17 anos trabalhando como professora, educadora, arte educadora, educadora social, esta é a primeira vez que tenho jovens trans em minhas turmas. BIZARRO!!!

[6] A questão está colocada, e eu não sou transexual, e eu mesmo sendo formada em Letras, não questiono o uso dos termos, porque é preciso construir algo que represente essas pessoas, e elas o estão fazendo!

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