quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Para uma genealogia da palavra*



E nem se podia dizer
palavra
pois de consciência
que aquilo era
palavra não se tinha

A palavra não se sabia
mas já se sabia ou se ouvia
rio, flor e cotovia

Não tinham nomes
não nomeados
mas de cheiro e cor
já se faziam

não se definia o gosto
mas era bom
comer banana
ou peixe todo dia

O dia amanhecia
e anoitecia
mas que era assim
que se chamaria, não se inferia

à noite
não se dava conceito
mas já de muito tempo
já existia
era nela que
pato, onça, cavalo
homem e mulher
dormia

A chuva
refrescava da ensolarada
mas que era isso
ninguém se valia

a semente caía
da boca do pássaro
e daí virava:
arvore e flor
e fruto
e outra de novo
mas mesmo assim
não se sentia

e depois foi
palavra que
veio dando nome
e verbalizando
e fazendo
tudo o que existia,
mas já existia!

Mas agora tudo ganha um lugar
e vai no papel ficando
porque História
é galhardia!

O que foi
depois nem se ouvia!

E foi surgindo
machado, foice, pedra lascada,
e o trabalho ia forjando valentia!

E levantou a coluna
e foi andando
de dois pés
e foi-se fazendo
voz
pra garantia

E passou a
mudar as coisas
e foi conceituando tudo
e pra tudo uma serventia

E tirou coisa do lugar
e foi fazendo
mais coisa
de quem nem precisaria

e foi achando
mais necessário
e chegou-se à mais-valia!

E explorados
e alienados
enxergar
ninguém mais podia

E era por música,
propaganda
que se ia
propagando
tudo o que fosse
compra podia

E achou que
representado
ele podia
no poder democracia

e foi-se perdendo
no ter
e deixou de ser
quase mais não se fazia

o material que
transforma no processo
se perdia...

e teve que
achar jeito
de mudar
assim se organizaria

e pretendeu
fazer outro poder
e de forma que
participaria

porque já de
não ser
não gostava
e viu que de outro
modo seria

está praticando até hoje
porque do pesadelo
acordou o dia
em que acreditou
que
o mundo todo Revolucionaria!


* postada em 2011 no blog gentilmente cedido por Marcelo Campello



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