sexta-feira, 5 de abril de 2013

De onde vem o tiro?

"Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro", música: O calibre, Os Paralamas do Sucesso



Nunca se sabe de onde vem nenhum dos tiros que a gente leva na vida. O tiro aqui vem para conotar uma forma de ser traído, de perder direitos, de sofrer uma violência e também tomar literalmente um tiro!
Meu pai nos contou que na juventude, no interior, eles usavam umas armas de baixo calibre(garruchas), ele diz que eles usavam para matar pássaros, para se defender de bichos na volta dos bailes, e também, claro, para demonstrar poder entre os colegas. Acontece que eram tempos distintos da evolução das forças produtivas, eram tempos de campo mais populoso que cidade e de vida muito diferente, de não urbanização forçada, de menos especulação imobiliária e, de um ideal de vida muito menos do ter e mais de ser gente. Acontece que a coisa mudou e também os tiros aumentaram.
Os tiros vem de toda parte, um tiro pelas costas do patrão, um tiro na cara do policial que acredita que defende um estado de coisas que à ele mesmo oprime, de um comércio ilegal de substâncias tornadas ilícitas pelos que as consomem aos montes, os tiros vem à reboque junto com uma política atrasada, junto com uma ideia de mundo primitiva! Os tiros ocupam o espaço das vidas, cruzando as avenidas, as ruas, vielas e becos. Eles rasgam o céu sem querer saber onde atingem, eles fazem parte de um jogo de poder dos que detém o monopólio da venda das armas. Eles são daqueles que se deitam todos os dias imunes à realidade dos esfacelados, mortos, inválidos pelos calibres mais pesados de uma sociedade que aponta fuzis e ideias retrógradas pois acreditam que são melhores do que os que são atingidos pelos cartuchos da dominação:" vai saber porque tentaram matá-lo, né?"*
Tomei muitos tiros na vida! Vários! De todas as conotações! Em outubro de 1996 eu morri um pouco junto com um morador do bairro Borges em Sabará, ele morre no fim de uma tarde, e os seus algozes nem correm ao terminar o "serviço", vão caminhando de volta para não sei onde. Um acerto de contas? Uma vingança? Ele mereceu? Morri um pouco junto também quando em 2004 minha mãe por telefone(eu morava em SP) me avisa que o pai de dois meninos que nasceram depois dessa morte de 1996, pela qual me parece haver alguma relação, é morto numa praça, numa festa diante dos filhos e o filho mais velho:" deram muitos tiros no meu pai!" Esses filhos hoje estão lá, nós sabemos como, cada um carregando dores e alegrias.
A gente parece morrer a cada notícia de morte, a gente tenta se levantar, mesmo sendo bem difícil! O que os que atiram a qualquer preço não sabem é que nós mantemos armas guardadas,
as nossas tem um alto poder destrutivo, mas elas destroem ideias atrasadas, elas derrubam preconceitos consolidados, ela não se furtam à debater o que está acontecendo na REAL!
Os tiros cessarão e sobrará fogos e estouros mas de festa porque mesmo em meio à dor nós construímos vidas!










* comentário de policial no dia 4 de abril à noite quando solicito informações sobre jovem baleado por outros dois jovens em plena tarde no bairro santa efigênia(por ironia esse bairro tem uma Igreja católica que se chama: Santa Efigênia dos militares) e socorrido por dois policiais imediatamente numa viatura.

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