domingo, 5 de maio de 2013

O mundo do pão, do trabalho e da guitarra elétrica*





      

                 Qualquer início de reflexão é bom que venha carregada de alguns porquês, embora o propósito deste não seja nada mais que uma socialização de alguns pensamentos. Entretanto, para dar mais vida ao que se escreve, ou algum sentido possível, iremos traçando alguns detalhes importantes no caminho. Comecemos pelo título que me vem à cabeça durante a apresentação de Paul Maccartney na cidade de Belo Horizonte. Cidade em que nasci, praticamente me criei, da qual saí e retornei. E por quê um título à primeira vista tão estranho ou com palavras que provavelmente não se conectam? Bom porque diante da arte não há como não falar de sustento e também de trabalho.
             Definiremos pão ao que nos aproxima daquilo que nos alimenta e nos dá vida para seguir vivendo, definiremos trabalho àquilo que nos faz nos relacionar socialmente** e à guitarra elétrica deixaremos a referência à arte e isso somente porque o cantor citado a todo tempo levantava uma das guitarras que tocou durante o show como se a ela fizesse certa saudação e reverência.  Arte não se resume a um instrumento, mas aqui só como simbologia.
          Pois bem, o show de um dos Beatles vivo me colocou dentro de um espaço de reflexão que me acorda todos os dias ou me mantém acordada que é a possibilidade de se manter vivo diante da falta de certo pão, ou diante da falta ou da vivência de um trabalho que não nos faz ser mais gente, mas nos transforma em seres mecanizados e não nos permite criar, transcender, ultrapassar o limite do real cotidiano. O que seria a arte dentro de um real tão violento, tão absurdo, ou tão carente de ser mesmo? Seria uma possibilidade de manter acesa uma esperança? Eu me agarrei nessa possibilidade e nela passei a tentar perceber o que era possível ali, como se caminhar dentro de tão complexa realidade. Reavivei a memória do meu próprio trabalho e soube que parte dele está muito ligado a esse tentar fazer arte...lembrei do meu pai e como o mesmo nos inseriu no mundo da música, da arte talvez, mesmo em sua pouca formação regular e escolar talvez, mas com seu gosto pela arte, pela cultura. Minha mãe com sua curiosidade...
       Assim fui traçando, enquanto o espetáculo ocorria, uma espécie de linha de tempo na cabeça sobre como era possível milhares de pessoas presentes num lugar, muitas transformações no cotidiano para que uma pessoa, vinda do outro lado de um oceano pudesse se apresentar para os dizem:” Uai”, quase que como um favor, não isso exatamente, mas pensando em como se apresenta os grandes espetáculos e até o cinema no Brasil, poderíamos ir nesse sentido, e ver que, muitas vezes Belo Horizonte fica fora desse circuito. Claro, Belo Horizonte e todo resto do Brasil que não está num certo eixo cultural definido aleatoriamente ao nosso desejo.
  Porém a reflexão vinha mesmo no sentido da arte, e, no que essa, com toda a sua transcendência pode fazer mesmo diante da dor, da miséria, do medo, da violência. Lembrei-me do espetáculo de Paul na Rússia e da camisa dele, não me lembro agora a frase em inglês mas algo que se referia à uma luta contra as minas terrestres que matam e mutilam milhões de pessoas todos os dias no mundo. Alusão aqui à perspectiva de sendo da arte poder fazer-se ouvir mais que outros. Lembrei-me desses Beatles que talvez definam um recorte no mundo, permitam perceber quais os ideias capitalistas foram implantados e em nome de que ou de quem temos um mundo cheio de fome, trabalho explorado e também de guitarras elétricas! Pensei também num debate em que fiz uma vez acerca de determinado texto que dizia serem o trabalho e a arte as duas únicas formas de o ser humano se realizar, algo assim, de manifestar o que se é realmente. E por fim, e sem chegar ao fim de um pensamento tão sério, tive diante de mim, em determinada canção que não me lembro agora o nome, em que as pessoas acendiam seus celulares e seus isqueiros, algo que não compreendi de todo, mas percebi que de alguma forma, aqueles milhares de trabalhadores famintos de ser mais,  transcendiam e pretendiam algo além do cotidiano muitas vezes fadado ao corriqueiro ou ao desesperador. Tive certo para mim que os seres humanos estão sempre em uma louca busca de algo que seja mais do o que eles possam mesmo ver, ou tocar, e que é preciso sentir.
        Ficou claro que ao tentar falar nosso idioma o cantor realizava um trabalho imenso de saída de si mesmo e que se for para viver somente no mais do mesmo viver não vale a pena. Por isso fazemos arte!




                                                    













*para meu pai Joaquim e sua arte da oralidade!
** apesar de o trabalho ter se tornado aquilo que nos coloca fora de nós, capitalisticamente falando!

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