quarta-feira, 12 de junho de 2013

Sobre água e sobre privação de liberdade e de palavra*


                 Ele podia se indignar com tantas fontes dentro de sua própria casa, mas acreditava naquilo como uma benção, conhecia a história de sua mãe por trás daquilo que era seu fardo e também sua transcendência...
           Ela escutava quase todos os dias os gemidos surdos, mas ensurdecedores, dos homens encarcerados ao fundo de seu quintal. Sim! No fundo de sua casa havia uma estrutura inventada para prender homens, seres humanos, pessoas que disseram nãos. Alguns que não aceitaram a vida assim como ela é, era assim que ela enxergava aqueles seres, com força e com delicadeza. 
                   Demorou um tempo até que tivesse coragem de ir até o fundo do quintal e entender o por quê de tantos murmúrios, como se estivessem sendo açoitados. Não! O mais absurdo é que não! Naquela cadeia os homens, além de privados de liberdade, eram privados de água! Água? Sim! Acaso cometessem, internamente, alguma transgressão, eram privados de beber água. Tinha algum cabimento? Alguém para perguntar por quê? Não...e diante do não somente uma resposta calada e sincera. Somente uma ação: se não podem beber lá dentro, ela se ajeitou do lado de fora. Seria possível? Perguntou-se e foi ver...Era! Um buraco de saída de água! Paradoxal! Por onde se saía a água desperdiçada pela chuva ela podia entregar água, mas dentro de um copo, ou até mesmo com a mão, que eles, de um jeito ou de outro arrumavam posição para beber...
                    E se passaram anos, e a água continuou a entrar e a sair do presídio, a chuva quase traiçoeira não se permitia beber, mas as mãos calejadas daquela senhora enviava conforto aos aprisionados de voz, de vez e de água! Ela ouvia histórias, que podiam ser contadas pois sem sede podia-se falar. Ela não via rostos, só imaginava as feições. E, ali conseguia entender a realidade de cada um daqueles homens e o perverso por estarem ali...
                   Um dia um deles, quase que fazendo coro aos demais lhe diz:" em sua vida, em sua casa haverá água em abundância, para a eternidade..." E assim foi...
                  E passou a jorrar água pelas paredes de seu lar, e passou a ser água em sua vida, e toda a família começou a sentir-se banhada por tantas fontes que de todos os cantos saíam. Por primeiro uma sensação de estranhamento, logo depois da morte dela, revolta. Perguntava-se os que nasciam:" De onde vem tanta água?" E a história era contada e recontada, pois se havia água para molhar a garganta a possibilidade da palavra se fazia real naquele universo tão complexo e tão delicado!
                    As águas jorravam como se dissessem: " é possível, é possível ir além da privação da liberdade  e da privação da palavra..."


* para Ludmila Correa que me conta a "real" loucura dessa história!


                                                    




                  
                         


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